DE VOLTA AO JOGO

Felipe Attie
3 min readMay 21, 2024

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No instante em que o despertador tocou naquela fatídica segunda-feira, tive uma súbita lembrança de como a vida era antes de abraçar o doce abandono do trabalho formal. Doze anos de domingos longos e tardes de segunda-feira preguiçosas tinham se tornado minha norma. Mas tudo mudou, quando eu atendi aquela ligação e aceitei o que me propunha a voz do outro lado da linha. Lá estava eu, de volta ao redemoinho implacável do mundo do trabalho formal.

O ritual matinal, outrora tão relaxado, havia se transformado em uma corrida frenética contra o tempo. A luta constante contra a cafeteira parecia uma metáfora perfeita para minha tentativa de readaptar-me ao ritmo da vida de 9 às 5.

Sentado no trânsito matinal, acompanhado apenas pelo som das buzinas e o eco dos meus próprios suspiros, eu me flagrei, mais uma vez, questionando a consequência das minhas escolhas. Eu, que havia renegado o sagrado ritual do “Feliz Sexta-feira!” em favor da liberdade de escolher minha própria agenda de trabalho, agora estava suplicando silenciosamente ao universo por uma passagem rápida até o próximo final de semana.

Na primeira semana de volta ao escritório, até mesmo minha cadeira parecia conspirar contra mim, como se sussurrasse ironicamente: “Bem-vindo de volta ao jogo, velho amigo”. Meus antigos colegas de trabalho, que eram meras lembranças distantes, estavam repaginados. Agora eles eram figuras reais, com nomes, preocupações e expectativas. Na quarta-feira, eu já não suportava escutá-los reclamar de suas vidas e do coordenador que sempre aparecia nos piores momentos, discursando sobre os projetos em aberto, enquanto arrotava os gases da sua azia.

Lá estava eu, na sala de reuniões, balançando entre o desejo de parecer engajado e o impulso incontrolável de desenhar caricaturas dos meus colegas no bloco de notas. Num dado momento, me peguei até mesmo trocando olhares furtivos com o relógio de parede, como se ele pudesse, de alguma forma, acelerar o tempo. Mas ele não podia.

Enquanto o tempo arrastava-se dolorosamente em direção à libertação do fim de semana, encontrei-me fazendo promessas silenciosas a qualquer entidade cósmica disposta a me ouvir. “Se você me tirar daqui vivo”, eu sussurrava para o vazio, “prometo nunca mais reclamar de um dia lento e sem dinheiro como freelancer”.

Desde então, as segundas-feiras se tornaram uma batalha épica contra a sonolência induzida pelo retorno à rotina, com olhos pesados lutando para se manterem abertos enquanto o café forte tentava em vão afastar a letargia. A inércia da manhã se estendia até mesmo para o restante do dia, onde cada minuto arrastava-se como uma lesma em direção ao fim do expediente.

Os momentos de almoço, outrora oportunidades para relaxar e descontrair, transformaram-se em reuniões apressadas ou intervalos solitários, onde a nostalgia dos dias de liberdade era mais amarga que o café requentado da cafeteria da esquina.

À medida que as semanas se arrastavam, novas adversidades surgiam, desde o confronto com a impressora teimosa até a batalha contra os colegas de trabalho tagarelas que insistiam em prolongar as reuniões além do necessário. Cada pequeno obstáculo tornava-se uma montanha e eu me via ansiando pelo conforto da minha cama e pelo escape temporário das obrigações profissionais.

Então, lá estava eu, afogado em um oceano de burocracia e tédio, onde as segundas-feiras eram o inferno e as sextas-feiras, o paraíso prometido. Mas, no fundo, sabia que estava apenas trocando uma prisão pela outra, com a única diferença sendo a ilusão de liberdade. Assim, enquanto aguardava ansiosamente a próxima fuga para o fim de semana, me consolei com a certeza de que, mesmo sem acreditar em Deus, talvez pudesse rezar fervorosamente para a chegada do próximo feriado prolongado.

Felipe Attie

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Felipe Attie

Escritor, redator e cartunista. Escrevo uns livros, rabisco uns quadrinhos e tento manter meu filho vivo.