ACEITA PIX?

Felipe Attie
3 min readApr 30, 2024

Era uma noite como outra qualquer e eu estava aproveitando os prazeres dos vinhos daquela adega aconchegante, quando meus olhos tropeçaram nos olhos de Verônica. Após trocarmos alguns sorrisos, meu cérebro, num surto de espontaneidade autoimune, disse: “Vai lá, campeão, você consegue!”

Não lembro de ter me levantado, mas de repente estava sentado ao seu lado, como se uma força superior de tolice me empurrasse. O constrangimento inicial foi substituído por um sorriso de aprovação no rosto de Verônica e as palavras começaram a fluir entre nós. A conversa foi alcançando terrenos mais íntimos, então descobri que compartilhávamos uma filosofia incomum: saltar as formalidades e ir direto ao ponto.

Em menos de uma hora, estávamos sem roupas na minha cama. Como num passe de mágica, fomos transportados de uma troca de sorrisos para um momento mais “despido” de formalidades. Foi fácil, pensei, sem fazer ideia de que a sabedoria do ditado “nem tudo que reluz é ouro” bateria à minha porta naquela noite.

Após terminarmos o serviço, enquanto eu olhava para o teto refletindo sobre os últimos acontecimentos, fui tomado por uma necessidade aguda de solidão. Tudo o que eu mais queria era ficar sozinho. Pra piorar, eu lembrei que era madrugada de sábado e um importante treino de Fórmula 1 estava prestes a começar na TV. Eu não podia perder! Mas como explicar para uma mulher com quem eu acabara de transar que, caso ela decidisse dormir na minha casa, teria o sono embalado pelo ronco de Mercedes e Ferraris disputando a pole position? Eu não queria submetê-la a isso. Muito menos ser visto como o cara que a expulsou de casa, em plena madrugada, só para assistir sozinho a um treino de Fórmula 1. Eu tinha e continuo tendo noção do quão ridículo isso é.

Então, eu inventei a história mais absurda que meu cérebro fora capaz de conceber. A partir daquele instante, eu precisava buscar a minha prima no aeroporto que havia passado seis meses na Austrália estudando os wallabies.

“Wallabies? O que é isso?”, perguntou Verônica.

“É igual a um canguru, só que pequeno.”

“Tipo um canguru anão?”

“Mais ou menos” respondi. “Já viu o desenho A Vida Moderna de Rocko?”

“Via muito quando era criança! Eu adorava!”

“Então, muita gente acha que ele é um canguru. Mas, na verdade, ele é um wallaby.”

“Sério? Eu achava que ele fosse um cachorro.”

Após uma breve aula sobre os marsupiais australianos, eu me ofereci para chamar um Uber para ela. Conforme o motorista se aproximava, eu podia sentir o conforto da minha cama chamando pelo meu nome em um sussurro sedutor. Porém, antes de se despedir, Verônica decidiu que era hora de me surpreender com uma singela revelação. Ela explicou que era uma profissional do sexo e eu devia pagar pelo momento de prazer. Com um sorriso que poderia rivalizar com o do Gato de Cheshire, Verônica me lançou a conta.

“Tá falando sério?”, perguntei incrédulo.

“Tô.”

“Mas por que você não disse isso antes?”

“Eu disse”, respondeu ela. “Você achou que eu tava brincando?”

“Você tava falando sério?”

“Claro que tava! Acha mesmo que eu iria pra casa de um cara que eu acabei de conhecer, sem cobrar por isso? Você deve se achar muito gostoso mesmo.”

“Achei que você tivesse me achado legal”, comentei envergonhado.

“Você é, mas não a ponto de me fazer chupar seu pau.”

Meu celular vibrou, informando que o motorista havia chegado. Olhei para Verônica e, com a voz embargada num misto de consternação e vergonha, balbuciei: “aceita PIX?”

Felipe Attie

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Felipe Attie

Escritor, redator e cartunista. Escrevo uns livros, rabisco uns quadrinhos e tento manter meu filho vivo.